"" ✔ Free History → 28: julho 2017

Sugestão de atividade prática

Descritivização da Narração

A técnica de descritivizar a narração, isto é, de acrescentar às frases narrativas as descrições de personagens, tempo, lugar etc, pode exemplificar a funcionalidade da descrição no processo de elaboração desse tipo de texto.

Exemplo:

Dada uma frase narrativa - Um homem atravessou a rua - vamos sugerir algumas possibilidades de descritivização, em função de alguns tipos de enredo:

Possibilidades de descritivização:

a) Para criar uma narrativa de suspense:

Um estranho homem de palavras rudes e barba por fazer, tremendo de frio ou de medo, atravessou aquela rua deserta, onde há muitos anos atrás houvera um crime nunca desvendado...

b) para criar uma narrativa lírico-amorosa:

Um belo homem vestido de terno preto e sapatos de verniz, com o olhar enfim apaziguado de procurá-la por toda a parte, atravessou como se dançasse aquela rua movimentada em frente à catedral, onde uma nuvem ou sonho ou aparição o esperava...

c) para criar uma narrativa fantástica:

Um homem de cabeça desproporcionalmente avantajada em relação ao resto do corpo e de pés virados para trás atravessou com tal rapidez aquela rua larga, esfumaçada, como que aérea, que não se sabe se é ilusão de ótica ou de se fato algo aconteceu...

d) Para criar um relato objetivo:

O cliente esteve no escritório no dia 01 de abril, às 15:15 hs. Era um homem idoso, devia ter entre 65 e 70 anos. Após esperar por mais de duas horas a sua vez de ser atendido, sem qualquer reclamação saiu de lá e atravessou rapidamente a rua Teodoro Sampaio, caminhando em direção à loja de nosso conhecido concorrente, que fica a apenas cem metros de distância...



Comentários

Repare na adequação da escolha dos elementos descritivos, tendo em vista o tipo de enredo em questão. Perceba que no último exemplo, a preocupação com a exatidão e com a fidelidade ao real, isto é, com os dados objetivos, não suprime a expressividade do parágrafo.

Para realizar esta proposta, que facilita a criação de bons textos, enriquecendo-os com elementos descritivos, crie uma frase narrativa e pergunte-se, a partir da modalidade de narração que lhe interessa desenvolver, e também do objetivo e do ponto de vista com que o fará: como é o homem? Como é a rua? Como ele a atravessa? Etc...

A descrição no texto narrativo

A descrição costuma ser utilizada como um importante recurso do texto narrativo, na medida em que a caracterização física e/ou psicológica de personagens, do espaço, do tempo etc, pode enriquecê-lo por meio de detalhes expressivos, que prendem o leitor à história que está sendo contada.

Assim, os elementos descritivos auxiliam na montagem de um conflito, seja através de personagens cujas características são contrastantes, seja através de ambientes reveladores de seus traços determinantes para a construção da trama narrativa.

Tais elementos podem estar no início de uma história - para a criação do "clima", da "atmosfera" -, no seu momento mais importante - o clímax, o ponto culminante -, ou mesmo no desfecho. Sua colocação depende da intenção do narrador, dos efeitos que quer causar com o que narra.

Leitura Comentada



Revelação no espelho

O vento soprava forte. Era quase um tufão. Ou talvez um tornado, pois suas rajadas concentradas agiam com mais violência num raio de poucos metros. Apavorada, ela buscou abrigo, colando-se à reentrância de uma porta de garagem. Tremia. Tinha a sensação de que aquele vento era uma manifestação do Mal. E pior: que contra ela se dirigia. Enquanto o vento lhe chicoteava as pemas, tirou da bolsa um pequeno espelho para, através dele, espiar a rua sem sair , de trás da coluna. E teve a confirmação. A imagem, no espelho, era de calmaria. O vento era mesmo assombrado.

(Heloísa Seixas - Contos Mínimos, Folha de São Paulo -19/03/98)

Comentários

Repare que o narrador desta micro-história cria um enredo de suspense, utilizando-se de elementos descritivos para fazê-lo.

A protagonista se apavora diante de um vento, um tornado ou um tufão que, de tão violento, lhe chega a parecer uma manifestação do Mal. Entretanto, no desfecho percebemos que ela acertadamente o julgara assombrado... o que é mostrado ao leitor pelo contraste entre elementos táteis, descrevendo as sensações imaginárias (Enquanto o vento Ihe chicoteava as pernas...), e elementos visuais, descrevendo as sensações reais (E teve a confirmação. A imagem, no espelho, era de calmaria.)

Assim, a presença da descritividade na montagem desta história dá-lhe grande força expressiva e isso contribui para termos um bom texto escrito.

Análise de texto sobre Lispector

Você sabe como usar figuras de linguagem na redação e a partir disso fazer a exploração de sinestesia? Neste artigo falarei um pouco sobre isso. Acompanhe-me.
JOANA lembrou-se de repente, sem aviso prévio, dela mesma em pé no topo da escadaria. Não sabia se alguma vez estivera no alto de uma escada. Os reflexos úmidos das lâmpadas sobre os espelhos, os broches das damas e as fivelas dos cintos dos homens comunicavam-se a intervalos com o lustre, por delgados raios de luz. Ora quente, ora fria, essa luz a percorrida por seus longos músculos inteiros. (...) Ela estava sentada, numa espera distraída e vaga. Respirava opressa o perfume roxo e frio das imagens.
(Clarice Lispector - Perto do Coração Selvagem - Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986 - texto adaptado)




Comentários

Observe que os sentidos se embaralham, se confundem (reflexos úmidos das lâmpadas; ora quente, ora fria, essa luz a percorria... visão e tato; Respirava opressa o perfume roxo e frio das imagens... olfato, visão e tato).

Ao permitir tal construção descritiva, a sinestesia dá pluralidade semântica ao texto, que no caso deste exemplo ao mesmo tempo está caracterizando ambiente exterior e mundo interior, o primeiro em função do segundo, o que enriquece de conotações simultaneamente sensoriais e emotivas o momento lembrado. Você pode aprender mais clicando aqui.